Crónica do Racional: afundado na maré verde...
Ontem foi a minha estreia no José Bento Pessoa, que é, para quem não sabe, o estádio onde joga a Associação Naval 1º de Maio, clube promovido este ano à Superliga. È verdade: vivo há 28 anos na Figueira da Foz e só ontem entrei naquele estádio.
Munidos com os bilhetes gentilmente oferecidos a um amigo meu e com um saco de castanhas que sobraram do almoço, eu e ele, o amigo, lá nos dirigimos para os nossos lugares marcados na Central Coberta, a 10 minutos do apito inicial marcado para as 16 horas. Erro crasso, porque logo descobrimos que ali se mandam os lugares marcados às urtigas e quem chega primeiro fica mais acima. Assim, ficámos atrás do banco da Naval, na 3a fila, o que equivale a dizer que o nosso campo de visão estava ligeiramente acima da careca do Cajuda e que se a ameaça de borrasca se confirmasse não me livrava de ir encharcado e gelado para casa...e dava para sentir o cheiro da relva, dava mesmo...
Tínhamos a 10 metros as colunas do sistema sonoro do estádio que elevava a poluição sonora a níveis só experimentados em pistas de carrinhos de choque. Isto era verdade tanto em termos da qualidade das escolhas musicais, como a nível da quantidade de décibeis propriamente dita...Primeira surpresa da tarde, o speaker anuncia:
“Quero ver todos juntos a cantar esta música em honra à nossa Naval!!!”
...e quando eu já procurava em partes obscuras do meu disco rígido a lembrança do hino da Naval, eis que começo a ouvir:
“És tão boa, és tão boa...”...suspiro resignado e fico com a imagem daquele tipo, o Herman descolorado, o autor deste belo queijo da serra sonoro, que para mim, ao longo dos anos, passou de bestial (genial mesmo) a besta (grande besta mesmo)...nesta altura é que descubro que a malta sentada atrás de mim num raio de 10 metros é sócia/simpatizante do Vitória, o de Setúbal, o nosso adversário do dia. Eles também trajam de verde e branco, os cachecóis ao longe parecem todos iguais. Trauteiam o “Parabéns a você”, o aniversariante é o Vitória. Parabéns ao Vitória.
Antes do jogo ainda dou uma olhada à moldura humana, ou melhor, à falta dela...continuo a não perceber como é que um clube destes se financia, o drama dos salários em atraso do Setúbal não custa nada a acreditar...não devemos ser mais de 500, cerca de 10% da lotação: Central Coberta a meio gás e três manchas de 50 tipos cada, são as claques: “Squadra Verde” e “Colectivo Maravilhas” pela Naval, “VIII Exército” e “Furacões Sadinos” pelo Vitória, prefazendo no total 5 bombos no estádio, se contarmos com a tuna da Universidade Internacional que está na Central Coberta, representada por meia-dúzia de gajos em calções à laia de bardos renascentistas...o nome “Colectivo Maravilhas” dava para outro post à parte, mas hoje não. O tempo está fresco, a ameaça de chuva é iminente, disse a brincar ao meu pai que devia levar as calças do snowboard para o jogo, agora já não me parece descabido.
Admiro a diluição de barreiras sociais que o futebol proporciona, pelo menos em clubes pequenos, com estádios pequenos...tome-se a fábrica onde trabalho e os seus cerca de 850 trabalhadores como exemplo, na mesma bancada, a gelar os rabos da mesma maneira, estão ali directores de produção, chefes de departamento, engenheiros de processo, técnicos comerciais, operadores fabris e outros. Noutra dimensão vê-se que convive também, no mesmo espaço, o pessoal do “tunning” com a “corujada” fã dos The Cure dos anos 80, trajando uma indumentária particular: Doc Martens nos pés, roupa preta, um sobretudo, mas bóné verde, da Naval...
Começa o jogo, apercebo-me rapidamente que pouco ou nada vou ver do jogo a não ser as jogadas que aconteçam do meu lado do campo. Não me entusiasmo muito, a toada nas bancadas também é muito morna. Os jogadores parecem-me todos altos, as faltas mais duras. Não sei como é que os treinadores conseguem analisar o jogo a partir do relvado. Em Inglaterra os bancos são elevados e ficam no meio da bancada, já percebi a razão.
A Naval equilibrou o jogo na primeira parte, na segunda nem por isso, já com a noite a descer e holofotes ligados, o tio Norton faz duas substituições de uma vez só e eis que um dos suplentes marca logo, é o 1-0 forasteiro. A Figueira da Foz e Setúbal são terras de gente trabalhadora e muito ligada ao mar, logo o vernáculo não fica nada a perder em relação à aquele que ouvi no Dragão...as considerações sobre a mãe do Cajuda, ou sobre a cor da pele do trinco do Setúbal, ganham outra intensidade quando proferidas por uma peixeira com uma rouquidão septuagenária...Entra o muy admirado Fogaça para ver se dá a volta ao jogo, mas a nabice nas bolas paradas continua e acabamos por levar 3 secos. Ao 2-0 é a debandada geral, especialmente daquele tipo de adeptos/sócios coléricos e cáusticos, que só estão bem a dizer mal de tudo e todos, o tipo de gajos que acredita e jura a pés juntos que “...o Mourinho tem mas é sorte, que não percebe nada disto...”. O Cajuda já está mais que habituado, não reage aos impropérios. O presidente da Naval com o seu chapéu de cowboy é que ninguém insulta. A Naval não jogou assim tão mal, penso que lhe faltaram mais africanos como os do Vitória. Ficámos até ao fim do espectáculo. Há que ter respeito pelos artistas.
Não estou muito triste, a minha simpatia pelo clube resume-se à comunhão de origens, no Naval-FCPorto, sofri pelos de azul e branco. Para além disso, fui atleta de natação do clube rival, mas a rivalidade está no basquetebol, que a par do remo, é o desporto querido dos figueirenses...
Agradeço o bilhete ao meu amigo, estou gelado, desta vez ir ao futebol não me soube tão bem. Entre um jogo da Liga dos Campeões no Estádio do Dragão e um jogo de luta de meio da tabela de um clube infra-regional com um estádio sem condições, permeia a distancia entre o céu e a terra, ou mais do que isso...não me parece que isto de ir ao futebol aqui na Figueira se torne um hábito...
Munidos com os bilhetes gentilmente oferecidos a um amigo meu e com um saco de castanhas que sobraram do almoço, eu e ele, o amigo, lá nos dirigimos para os nossos lugares marcados na Central Coberta, a 10 minutos do apito inicial marcado para as 16 horas. Erro crasso, porque logo descobrimos que ali se mandam os lugares marcados às urtigas e quem chega primeiro fica mais acima. Assim, ficámos atrás do banco da Naval, na 3a fila, o que equivale a dizer que o nosso campo de visão estava ligeiramente acima da careca do Cajuda e que se a ameaça de borrasca se confirmasse não me livrava de ir encharcado e gelado para casa...e dava para sentir o cheiro da relva, dava mesmo...
Tínhamos a 10 metros as colunas do sistema sonoro do estádio que elevava a poluição sonora a níveis só experimentados em pistas de carrinhos de choque. Isto era verdade tanto em termos da qualidade das escolhas musicais, como a nível da quantidade de décibeis propriamente dita...Primeira surpresa da tarde, o speaker anuncia:
“Quero ver todos juntos a cantar esta música em honra à nossa Naval!!!”
...e quando eu já procurava em partes obscuras do meu disco rígido a lembrança do hino da Naval, eis que começo a ouvir:
“És tão boa, és tão boa...”...suspiro resignado e fico com a imagem daquele tipo, o Herman descolorado, o autor deste belo queijo da serra sonoro, que para mim, ao longo dos anos, passou de bestial (genial mesmo) a besta (grande besta mesmo)...nesta altura é que descubro que a malta sentada atrás de mim num raio de 10 metros é sócia/simpatizante do Vitória, o de Setúbal, o nosso adversário do dia. Eles também trajam de verde e branco, os cachecóis ao longe parecem todos iguais. Trauteiam o “Parabéns a você”, o aniversariante é o Vitória. Parabéns ao Vitória.
Antes do jogo ainda dou uma olhada à moldura humana, ou melhor, à falta dela...continuo a não perceber como é que um clube destes se financia, o drama dos salários em atraso do Setúbal não custa nada a acreditar...não devemos ser mais de 500, cerca de 10% da lotação: Central Coberta a meio gás e três manchas de 50 tipos cada, são as claques: “Squadra Verde” e “Colectivo Maravilhas” pela Naval, “VIII Exército” e “Furacões Sadinos” pelo Vitória, prefazendo no total 5 bombos no estádio, se contarmos com a tuna da Universidade Internacional que está na Central Coberta, representada por meia-dúzia de gajos em calções à laia de bardos renascentistas...o nome “Colectivo Maravilhas” dava para outro post à parte, mas hoje não. O tempo está fresco, a ameaça de chuva é iminente, disse a brincar ao meu pai que devia levar as calças do snowboard para o jogo, agora já não me parece descabido.
Admiro a diluição de barreiras sociais que o futebol proporciona, pelo menos em clubes pequenos, com estádios pequenos...tome-se a fábrica onde trabalho e os seus cerca de 850 trabalhadores como exemplo, na mesma bancada, a gelar os rabos da mesma maneira, estão ali directores de produção, chefes de departamento, engenheiros de processo, técnicos comerciais, operadores fabris e outros. Noutra dimensão vê-se que convive também, no mesmo espaço, o pessoal do “tunning” com a “corujada” fã dos The Cure dos anos 80, trajando uma indumentária particular: Doc Martens nos pés, roupa preta, um sobretudo, mas bóné verde, da Naval...
Começa o jogo, apercebo-me rapidamente que pouco ou nada vou ver do jogo a não ser as jogadas que aconteçam do meu lado do campo. Não me entusiasmo muito, a toada nas bancadas também é muito morna. Os jogadores parecem-me todos altos, as faltas mais duras. Não sei como é que os treinadores conseguem analisar o jogo a partir do relvado. Em Inglaterra os bancos são elevados e ficam no meio da bancada, já percebi a razão.
A Naval equilibrou o jogo na primeira parte, na segunda nem por isso, já com a noite a descer e holofotes ligados, o tio Norton faz duas substituições de uma vez só e eis que um dos suplentes marca logo, é o 1-0 forasteiro. A Figueira da Foz e Setúbal são terras de gente trabalhadora e muito ligada ao mar, logo o vernáculo não fica nada a perder em relação à aquele que ouvi no Dragão...as considerações sobre a mãe do Cajuda, ou sobre a cor da pele do trinco do Setúbal, ganham outra intensidade quando proferidas por uma peixeira com uma rouquidão septuagenária...Entra o muy admirado Fogaça para ver se dá a volta ao jogo, mas a nabice nas bolas paradas continua e acabamos por levar 3 secos. Ao 2-0 é a debandada geral, especialmente daquele tipo de adeptos/sócios coléricos e cáusticos, que só estão bem a dizer mal de tudo e todos, o tipo de gajos que acredita e jura a pés juntos que “...o Mourinho tem mas é sorte, que não percebe nada disto...”. O Cajuda já está mais que habituado, não reage aos impropérios. O presidente da Naval com o seu chapéu de cowboy é que ninguém insulta. A Naval não jogou assim tão mal, penso que lhe faltaram mais africanos como os do Vitória. Ficámos até ao fim do espectáculo. Há que ter respeito pelos artistas.
Não estou muito triste, a minha simpatia pelo clube resume-se à comunhão de origens, no Naval-FCPorto, sofri pelos de azul e branco. Para além disso, fui atleta de natação do clube rival, mas a rivalidade está no basquetebol, que a par do remo, é o desporto querido dos figueirenses...
Agradeço o bilhete ao meu amigo, estou gelado, desta vez ir ao futebol não me soube tão bem. Entre um jogo da Liga dos Campeões no Estádio do Dragão e um jogo de luta de meio da tabela de um clube infra-regional com um estádio sem condições, permeia a distancia entre o céu e a terra, ou mais do que isso...não me parece que isto de ir ao futebol aqui na Figueira se torne um hábito...
Descongelo no “franchise” da moda, juntando o prazer culpado de um crepe com bananas e gelado de morango regado com chocolate quente com a necessidade de por a conversa em dia...
1 Comments:
Afinal o que importa nao é a literatura
(...)
Afinal o que importa nao é ser novo e galante, ele há tanta maneira de compôr uma estante!
(...)
Nao é verdade rapaz? Que amanhã há bola
(...)
;)
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