Será se mim, ou esta questão dos cadernos está-se a desproporcionar?
"NÃO me rendi ao Moleskine, o lendário caderno de notas de capa preta e elástico à volta que nos sécs. XIX e XX andou no bolso de artistas e intelectuais como Van Gogh, Matisse e Ernest Hemingway - e a globalização do séc. XXI nos põe à mão de semear, nas prateleiras junto às caixas da Fnac, a €8,60 cada.
Duvido da veracidade da informação de que Van Gogh era um utente compulsivo do Moleskine, fornecido pela marca num elegante desdobrável em quatro línguas que acompanha cada caderno de notas - «carnet» (francês), «notebook» (inglês), «notizbuches» (alemão) ou «taccuino» (italiano). Como se sabe, o pintor holandês nunca vendeu um quadro e levou existência miserável ao ponto de ensandecer, cortar a orelha e registar esse acto para a posteridade em dois auto-retratos com a orelha ligada (um com cachimbo e outro sem), pintados em 1889. Ou os Moleskine eram muito mais baratos em Arles, no último quartel do séc. XIX, ou Van Gogh não tinha dinheiro de bolso para os comprar.
Mas deixemos para trás a dúvida Van Gogh, uma vez que o «pedigree» do caderno está garantido pela certeza de que Hemingway o usava. É fácil imaginá-lo na Bodeguita del Medio, a escrever apontamentos para o Velho e o Mar em folhas de um Moleskine decoradas pela sua caligrafia torrencial e borratadas por gotas de mojitos.
Não acredito no Pai Natal nem na possibilidade do uso do Moleskine me contagiar com a genialidade de Hermingway. Por isso, fiquei imune a esta moda e mantenho-me fiel aos cadernos Clairefontaine de 9 x 14 cm, com 96 páginas de papel quadriculado e capas de cores tão variadas como um Twingo.
A minha marca preferida de cadernos ganhou este ano uma «patine» extra quando Paul Auster revelou em Lisboa que o famoso bloco de notas azul fabricado em Portugal, que o escritor Sidney Orr usa em A Noite do Oráculo, é uma ficção absoluta. Na vida real, Auster, ele próprio, escreve em Brooklyn em cadernos Clairefontaine.
Sempre que vou a Paris, aproveito para me abastecer de cadernos Clairefontaine (98 cêntimos cada) na Gibert Jeune do Bou’Mich, e de esferográficas Muji, na loja do Marais desta cadeia japonesa. Para mim, a doçura na escrita, é uma esferográfica roxa da Muji a deslizar nas folhas aveludadas de um Clairefontaine.
A globalização é uma fantástica oportunidade para todos. Para os globalizados Moleskine, mas também para a Clairefontaine. Para as globalizadas Bic ou Montblanc, mas também para as esferográficas Muji.
Duvido da veracidade da informação de que Van Gogh era um utente compulsivo do Moleskine, fornecido pela marca num elegante desdobrável em quatro línguas que acompanha cada caderno de notas - «carnet» (francês), «notebook» (inglês), «notizbuches» (alemão) ou «taccuino» (italiano). Como se sabe, o pintor holandês nunca vendeu um quadro e levou existência miserável ao ponto de ensandecer, cortar a orelha e registar esse acto para a posteridade em dois auto-retratos com a orelha ligada (um com cachimbo e outro sem), pintados em 1889. Ou os Moleskine eram muito mais baratos em Arles, no último quartel do séc. XIX, ou Van Gogh não tinha dinheiro de bolso para os comprar.
Mas deixemos para trás a dúvida Van Gogh, uma vez que o «pedigree» do caderno está garantido pela certeza de que Hemingway o usava. É fácil imaginá-lo na Bodeguita del Medio, a escrever apontamentos para o Velho e o Mar em folhas de um Moleskine decoradas pela sua caligrafia torrencial e borratadas por gotas de mojitos.
Não acredito no Pai Natal nem na possibilidade do uso do Moleskine me contagiar com a genialidade de Hermingway. Por isso, fiquei imune a esta moda e mantenho-me fiel aos cadernos Clairefontaine de 9 x 14 cm, com 96 páginas de papel quadriculado e capas de cores tão variadas como um Twingo.
A minha marca preferida de cadernos ganhou este ano uma «patine» extra quando Paul Auster revelou em Lisboa que o famoso bloco de notas azul fabricado em Portugal, que o escritor Sidney Orr usa em A Noite do Oráculo, é uma ficção absoluta. Na vida real, Auster, ele próprio, escreve em Brooklyn em cadernos Clairefontaine.
Sempre que vou a Paris, aproveito para me abastecer de cadernos Clairefontaine (98 cêntimos cada) na Gibert Jeune do Bou’Mich, e de esferográficas Muji, na loja do Marais desta cadeia japonesa. Para mim, a doçura na escrita, é uma esferográfica roxa da Muji a deslizar nas folhas aveludadas de um Clairefontaine.
A globalização é uma fantástica oportunidade para todos. Para os globalizados Moleskine, mas também para a Clairefontaine. Para as globalizadas Bic ou Montblanc, mas também para as esferográficas Muji.
Há dez anos, a PT inventou o Mimo, o telefone pré-pago que foi o combustível da massificação do telemóvel. A invenção portuguesa foi rapidamente globalizada e hoje é usada em 80% dos telemóveis existentes no mundo.
Para a massificação do telemóvel junto dos 1,4 biliões de muçulmanos, ainda mais importante do que a tecnologia portuguesa foi a genial invenção de uma pequena empresa de telecomunicações do Dubai. A Ilkone-Mobile desenhou um telemóvel especificamente feito a pensar nos muçulmanos, que vem carregado com suratas do Corão, alarme programado para tocar na hora das orações e incorpora uma bússola que indica permanentemente a direcção de Meca.
Brilhante é também a capacidade de antecipação dos editores dinamarqueses. As traduções de Paul Auster, Le Carré e Brett Easton Ellis saem primeiro em Copenhaga que os originais em Londres ou Nova Iorque. Per Kofod, o editor dinamarquês de Auster, explica porquê: «Se não acompanharmos a velocidade das versões originais, os leitores não hesitarão em precipitar-se para o livro em inglês, deixando à passagem duas vítimas- o tradutor e o editor da tradução».
A globalização é uma fantástica oportunidade para todos. Mas para isso é preciso pensar e inovar, com a mesma naturalidade e frequência com que se respira. É preciso deixar que a maçã nos caia em cima da cabeça, pensar porque é que ela caiu - e agir em conformidade com o que se aprendeu."
Para a massificação do telemóvel junto dos 1,4 biliões de muçulmanos, ainda mais importante do que a tecnologia portuguesa foi a genial invenção de uma pequena empresa de telecomunicações do Dubai. A Ilkone-Mobile desenhou um telemóvel especificamente feito a pensar nos muçulmanos, que vem carregado com suratas do Corão, alarme programado para tocar na hora das orações e incorpora uma bússola que indica permanentemente a direcção de Meca.
Brilhante é também a capacidade de antecipação dos editores dinamarqueses. As traduções de Paul Auster, Le Carré e Brett Easton Ellis saem primeiro em Copenhaga que os originais em Londres ou Nova Iorque. Per Kofod, o editor dinamarquês de Auster, explica porquê: «Se não acompanharmos a velocidade das versões originais, os leitores não hesitarão em precipitar-se para o livro em inglês, deixando à passagem duas vítimas- o tradutor e o editor da tradução».
A globalização é uma fantástica oportunidade para todos. Mas para isso é preciso pensar e inovar, com a mesma naturalidade e frequência com que se respira. É preciso deixar que a maçã nos caia em cima da cabeça, pensar porque é que ela caiu - e agir em conformidade com o que se aprendeu."
"Moleskine, Muji e maçã"
Jorge Fiel / "Expresso"
3 Comments:
Se bem te lembras, eu li "A Noite do Oráculo" do Paul Auster, nas férias, não gostei lá muito do livro.
Agora ao saber que os cadernos portugueses são ficção, lá se vai a réstia de empatia que senti ao ver reconhecida a qualidade da indústria papeleira portuguesa num romance americano, enfim...
Um dos nossos conhecidos anda sempre com um moleskin enfiado no bolso do rabo...image oblige...se o Hemingway souber está a rebolar na campa...
Pseudo, Pseudo...pronto o moleskin até tem pinta...
Prefiro de longe os cadernos das actas.
Presumo então que não tenha de fazer actas.
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