Pausa no atraso
A expectativa era mais uma vez alta, mais alta do que o habitual. Existem poucas coisas que eu goste mais do que concertos ao vivo e raramente vou a um e saio de lá insatisfeito. “One night in Paris” é uma das minhas bandas sonoras caseiras favoritas e tinha algum receio da noite não corresponder ao imaginário.
A isto juntava-se a minha relação bizarra com a banda: nunca não gostei mas já me foram relativamente indiferentes. Ultimamente, sou mesmo aficionado, até aquela simplicidade excessiva das letras me cai no goto.
Depois do Carnaval de atrasos habitual que os concertos a meio da semana preconizam, lá dei por mim a entrar no Atlântico. Pelo caminho, algum negrume nas vestimentas, sobretudo nos mais novos. E já estavam os “The Bravery” a actuar...
Phonix, não fazia a mínima ideia de que eram eles a “abrir” (nem eu, nem ninguém a quem tinha perguntado durante a tarde) e por pouco não os via mesmo. Aquela onda revivalista “NovaYorkina“ tem-me animado as manhãs “Radar” a caminho da labuta e as já relativamente distantes noites do “Incógnito”. Talvez estivesse sugestionado pelo ambiente, mas no meio daquelas linhas de baixo proeminentes, a voz do senhor parecia-me ter uns trejeitos de Robert Smith. O público correspondia “Os Putos trajam à intelectualóide, mas safam-se bem!”.
Tempo para uma merecida jola e reparo bem no que está à volta. Não pode ser... Tudo bem, fui para o 1º balcão, tudo bem que os preços apontavam para gente estabelecida, tudo bem que a carreira já vai longa, mas caramba... O que é isto?! Eles, grisalhos ou aprendizes de carecas, a maior parte já a vestirem os números dos papás. Elas, com o pechibeque da moda, cabelos convenientemente coloridos e as marcas das malas pouco tímidas a despontarem. Estaremos assim tão velhos?
Apagam-se as luzes e sentem-se inquietações. Palmas, gritos, abraços. Vejo-os a surgir na porta lateral ao palco. Ovação, os tipos aparecem no palco discreto em tons de negro. Primeiros contratempos, nada de coros femininos (aquelas negras tatuadas, em cabedal e piercings, de Bercy, não vieram) e nada de baixo. Vamos ver.
Para mim o primeiro momento digno de registo foi o Atlântico a exorcizar “Try walking in my shoes!” com Gahan a começar a sorrir; o frenesim de palco estava-se finalmente a traduzir em colaboração do público. Seguem-se altos e baixos de empatia, sempre com um baterista verdadeiramente animal. E eis que entram os restantes temas para os quais paguei bilhete. Que me perdoem os puristas, a relação que tenho com os senhores impunha, para além da supracitada, as “I feel you”, “Personal Jesus” e “Enjoy the silence” que se seguiram. Não se perdeu nada pelo meio, antes pelo contrário. Ergui também as mãos à procura do meu Jesus pessoal, em sintonia com um pavilhão repleto. Creio que foi a primeira vez que ouvi o som das palmas sincronizadas a sobrepor-se ao do palco. Vejo público a perder aos poucos os tiques de meia idade, quase jurava que, nalguns casos, as expressões eram de felicidade, como se, de repente, voltassem a ser crentes em qualquer coisa. Sacudiam-se as velhices.
Primeiro encore, com um guitarrista/teclista a dar-se por vocalista. Se na primeira me apetecia exclamar “Desanda, vim cá para ver Depeche!”, a 2ª fez-me lembrar um verdadeiro fanático dos tipos que, certa vez lá por casa, exclamou catedraticamente ao ver a versão noite em Paris “Também se safa bem a cantar, o sacana!”. Ao meu lado pediam o “Condemnation” (e eu também), mas ficou para talvez um dia.
Numa palavra: rambóia! Assim que o sintetizador quase semi-parolo de feira de “Just can’t get enough” começou a ter reconhecimento cerebral, seguiu-se festa rija. Acabaram-se as vergonhas, as preocupações, as escolioses e afins; adiposas a abanar que é isto que a gente leva da vida... Ah! Que malucos que nós éramos, quando fumávamos “Gigante”...
Novo interlúdio e num camarote perto de mim ligam as televisões. Vê-se a lampionagem inquieta, a tremedeira das penalidades. Algum frisson. Marca o Benfas, a passarada comemora de alívio (bastante compreensível, he he he he!) apesar de encaixarem mais três, isto enquanto os artistas regressam para o encerramento das hostilidades.
Abanam-se doenças (lembro-me sempre da versão destes) só com piano e o tal guitarrista da voz.
Tempo ainda para “Taking a ride with my best friend”; o cansaço pesa mas não tanto, as luzes compensam a aparente modéstia do palco e o ambiente é, passe a bazófia, fenomenal.
Dueto na extensão do palco, abraçados os dois masterminds da banda, o público em delírio. Faltaram ainda várias daquelas, a solução talvez seja o regresso ou a tal noite em Paris, um dia destes.
Ainda se tentou nova chamada, mas as luzes acenderam-se e o escoamento começou. Na grande fila para o pagamento do parque, a trincar um crepe oriundo de uma barraca que facturava à maluca, encontrei dois conterrâneos. Problemas comuns, se amanhã fosse sábado mas não é. Estamos “cotas”, mesmo a atirar para o velhote; mas este não trocava mesmo por nada.
Lx
PS - Fotos da rádio oficial e do sítio da banda de abertura.
1 Comments:
Parce que vã voltar no verão numa tournée de estádios. perdi este, quero ver senão perco aquele...
arranjo-te os bravery se quiseres, se bem que acho o disco fraquito.
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